sexta-feira, 4 de julho de 2008

Túnel do tempo: Elba 87

07/06/1987

Elba, com o forró mas também poesia
A imprensa nacional ligada à música, gozando as delícias da mordomia oferecida pela Polygram para o lançamento do último elepê de Elba Ramalho, em festa de aromba ocorrida em Recife, há três semanas, vem registrando este novo disco da cantora paraibana como um disco para dançar, ao sabor nordestino, folclorizado ainda pela gravidez de seis meses da cantriz (vista recentemente, de forma esplêndida, em "A ópera do Malandro", de Rui Guerra, a disposição em vídeo).

Claro que Elba não deixou de ser basicamente uma cantora nordestina, usando e abusando da quentura de ritmos da região, especialmente o forró. Mas, nesta produção de Zé Américo Bastos, Elba está excelente em seu lado romântico, modulando a voz em dois momentos de maior poesia ouvidas este ano em disco de um intérprete popular. Em "Corcel na Tempestade", o pagodeiro Almir Guineto, em parceria com Adalto Magalha constrói versos como estes:

"Deixo o meu corcel na tempestade

Galopando na Saudade/ Procurando por você

Deixo o meu corcel na tempestade/ Ainda doida de saudade

De saudade de Você."

Uma nova dupla, Sérgio Souto-Moacyr Luz, em "Lembrando de Você", recorre também a imagens belíssimas ("Lá quando eu ouvia o canto do Albatroz/ Eu lá sabia o que era albatroz/ O que eu mesmo queria era lembrar você/ O teu cheirinho de flor que nasce do Ipê") .

A aproximação de Nando Cordel com o romântico Dominguinhos, também faz de "Vem Ficar Comigo" (já gravada pelo acordeonista, em seu último lp, RCA), outro belíssimo momento de amor.

Claro que o forte está nas músicas de apelo nordestino, a começar por "Ai de Mim", no qual o fricoteiro baiano Luis Caldas oferece uma letra de dupla leitura: de um lado poético, com cromáticas imagens, ou num sentido erótico. Cada um faça a opção que desejar.

Nando Cordel, além da parceria com Dominguinhos, comparece com "Folia Brasileira" e "Quero Mais". Tadeu Mathias, inspiradíssimo, com "Rumbaiana" e "Ginga", Moraes Moreira com "Nós, Destinos" e Ceceu com a também insinuante "Da Mesa Pra Cama". Entretanto, o grande significado deste elepê é a homenagem ao admirável Jackson do Pandeiro (José Gomes Filho, 1919-1983), conterrâneo (de Alagoa Grande) de Elba Ramalho, autor de clássicos da MPB como "O Canto da Ema" e "Chiclete com Banana", mas que deixou outras preciosidades, pesquisadas por Elba e registradas num poutpourri que inclui "Sina de Cigarra ", "Coração Bateu", "Competente Demais", "Mundo Cão", "Cantiga da Perua", e "Eu Vou Pra Lua", parcerias com amigos como Delmiro Ramos, Ivo Marins, Valdemar Lima, Rogeria Ribeiro, Elias Soares e Luiz de França, que merecem ser creditados.

Como foi além de produtor, também arranjador e regente da maioria das faixas - executando também teclados e acordeon - Zé Américo (pra nós, uma revelação), valorizou ao máximo a parte instrumental. Assim, ao lado da interpretação sempre segura de Elba, alegre, explosiva - ou romântica, suave - há as intervenções exatas dos bons músicos, com instrumentos que vão da sofisticação eletrônica, os metais, o acordeom romântico de Dominguinhos ( em "Lembrando de Você" e "Vem Ficar Comigo"), aos reco-reco, triângulo, marca e gogo (especialmente em "Da Mesa Pra Cama").

Elba Ramalho, muito mais do que uma cantora de forró, frevos e com a energia que a fez uma bilionária superstar da MPB, é sensívelmente romântica neste seu novo disco.
Texto de Aramis Millarch

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