segunda-feira, 25 de maio de 2009

Identidade Discreta

O prazer de ouvir a Elba Ramalho mais regional se renova em ´Balaio de Amor´ (Biscoito Fino)

Artista como poucas do cenário musical brasileiro, Elba Ramalho comemora 30 anos de trajetória musical afirmando sua regionalidade e experiência. ´Balaio de Amor´, produzido pelo acordeonista Cezinha, seu namorado, apresenta uma intérprete que tempera bem suas matrizes sonoras com sua maturidade musical. Em xotes, baiões e canções de alguns velhos conhecidos e novos compositores nordestinos, Elba mostra-se feliz, de volta às suas origens, mesmo que isto pareça limitar sua criação, há muito não atrelada apenas à regionalidade. Intérprete universal que Elba se comprova, de maneira mais evidente, numa parceria do velho amigo Dominguinhos com o cearense Fausto Nilo. No texto do encarte do CD, Elba fala na ´nação nordestina´, título de um álbum do primo Zé Ramalho. Identidade que ela preserva em tudo o que faz, até por isso mesmo, com a discrição dos sábios.

Com participações de Dominguinhos e Spok Frevo Orquestra, o álbum reapresenta a Elba mais lírica em relação ao estilo mais agitado, ´enérgico´, a que muita gente ainda associa sua música. Uma Elba senhora de sua voz. De sua obra. De sua identidade. Que chega a soltar seu xote mais firme, em duo com Dominguinhos, em ´Riso Cristalino´ – sucesso do sanfoneiro pernambucano em parceria com Climério Ferreira – e ainda em ´Não lhe solto mais´ – dos velhos amigos paraibanos Antônio Barros e Cecéu, gravados por eles e Jorge de Altinho –, em um dos poucos arranjos diferencias desta sua performance, com a Spok Frevo Orquestra dando um discreto ´tempero´ de gafieira à sua regionalidade. Há também um cuidado em cantar um repertório que saia do óbvio, como em ´Me dá meu coração´ (Accioly Neto). Paradoxalmente, ao menos para seu público mais recente, esta dedicação à linguagem que Elba de certa forma deixou em segundo plano nos últimos anos pode até soar deslocada. Mas quem a escuta com mais regularidade sabe que ela sempre é fiel às suas origens, mesmo quando se dedicou a projetos que ´atualizaram´ sua música.

Amorosos e burilados

Em ´Balaio de Amor´ predomina aquele romantismo característico de projetos mais antigos da cantora, onde o xote e o baião marcavam presença entre canções de um lirismo mais brejeiro, universal. ´É só você querer´ (Nando Cordel), da trilha da novela ´Caras e Bocas´, é um xote com direito ao esperado duo de Elba com Cezinha. Já ´Recado´ (Cezinha/Fábio Simões) tem outra instrumentação mais ousada, com o acordeonista experimentando uma harmonia mais moderna, sutil, alinhavada com o rhodes de Zé Americo Bastos. ´D´estar´ (Eliezer Setton) é outro xote-canção em que a base de Cezinha, Anjo Caldas (percussão) e Fernando Gaby (baixo) mais o vocal de Elba, Jussara e Jurema Lourenço mantém-se fiel à tradição, mas surpreende pela condução próxima ao tango e pelo uso, no título, de uma expressão popular do praticamente desconhecida pela mídia-público do Sul.

O baile amoroso de Elba também dá início à festa em ´Fuxico´ (Flávio Leandro) e ´Um baião chamado saudade´ (Petrúcio Amorim/Rogério Rangel). Nesse balanço, somos presenteados também com ´Oferendar´ (Xico Bizerra/Flávio Leandro), de onde vem o título do disco, mas, nesse seguimento amoroso, nenhuma é mais feliz do que o choro, quase tango, ´Ilusão Nada Mais´ (Dominguinhos/Fausto Nilo), com sax soprano de Leo Gandelman, Cesinha e piano de Zé Américo a ornamentar o belo arranjo, a bela letra, mundana, lírica. Esta, sim, a grande música do disco, moderna, quase fora do seu contexto.

Nesta seqüência final, quatro canções mais buriladas confirmam a proposta discretamente renovadora de Elba, neste reencontro com sua identidade. O coro e os requintes vocais de Elba amenizam a pisada de ´Se tu quiser´ (Xico Bizerra), xote que ganha corpo mais universal ao arranjo de metais de Enok Chagas. Na mesma linha, novamente com a afinação de Elba desfrutando de sua experiência e da (discreta) guitarra do filho Luã Ramalho Mattar, ´Seu aconchego´ (Terezinha do Acordeon/Júnior Vieira) chama para a paz. ´Bebedouro´ (Maciel Melo/Anchieta Dali) tem o frescor de uma artista que transita bem com o pop, novamente com metais em outras levadas, do forró à salsa, sob arranjo de Nilsinho Amarante. Elba leve e solta, a falar de umas dúvidas quase alegres. Como em ´Quem é você´ (Jorge de Altinho), ela volta à matriz romântica de sua MPB, mesmo em dia com a cadência tradicional nordestina. Sem encher-se de convidados, nem esbaldar-se como em ´Flor da Paraíba´, mas contando com um repertório talhado por seu próprio conhecimento do assunto, Elba comprova sua identidade de maneira discreta e coerente.

FIQUE POR DENTRO Uma nordestina rara com raízes e antenas

Dirigir-se à Nação Nordestina com toda essa placidez é tarefa que, aos 57 anos, Elba Ramalho tira de letra. Poderia promover um disco mais vibrante, como o show em dezembro do ano passado, no Kukukaya. Mas ela prefere dosar sua experiência. Antes de iniciar sua trajetória no musical ´Morte e Vida Severina´, ela já mostrava seu talento dramático em Campina Grande. Ainda ali próximo à cidade natal, Conceição, tocou bateria no grupo As Brasas. Estudou Sociologia e Economia. Sem diplomas, atuou em ´Ópera do Malandro´, de Chico Buarque, no palco e no cinema. Em 79, revelou-se cantora com ´Ave Rara´. Superou a imagem da aridez nordestina em álbuns dos anos 90 e 2000, mantendo sua identidade, como comprovou também no DVD ´Raízes e Antenas´, ano passado.

Créditos: Diário do Nordeste

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