quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Marco Zero ao Vivo celebra os "30 Anos de Música da Leoa do Nordeste

Marco Zero ao Vivo, título mais recente da discografia de Elba Ramalho, assim como o DVD homônimo, que deve chegar às lojas em breve, foi gravado e lançado sob o pretexto de comemorar os “30” anos de carreira musical da cantora. Na verdade, neste ano nossa Leoa do Nordeste já comemora 31 anos do lançamento de seu primeiro e belíssimo álbum, Ave de Prata, lançado em 1979, mas, devido às complicações desse mercado fonográfico caótico, que só valoriza o que não tem valor algum, o projeto – que seria gravado no ano passado – acabou sendo viabilizado apenas em março deste ano. Daí o “atraso” nas comemorações dos 30 anos de carreira de fato. Mas o que importa datas exatas? O importante é comemorar; ainda mais quando quem ganha o presente são os fãs desta brilhante cantora que há “trinta e poucos” anos encanta o Brasil e o mundo com sua ginga, sua raça, sua presença cênica incomparável, seu carisma e, acima de tudo, seu TALENTO sem igual.

Atualmente, entre os fãs de Elba, muito se tem discutido a respeito do porquê de um projeto comemorativo sem retomar os GRANDES sucessos, aqueles que tocaram a exaustão nas rádios, em uma época em que a MPB de qualidade – de todos os estilos e gêneros – ainda tinha vez nos meios de comunicação do país. A discussão é bastante válida e saudável! Mostra que a arte de Elba continua mexendo com as emoções de quem a prestigia! Além disso, serve até como uma humilde sugestão de nós fãs para que a cantora, em seus próximos shows, volte a nos brindar com alguns desses sucessos inesquecíveis como Doida, Ouro Puro, Temporal, Remexer... É preciso destacar, no entanto, que a ausência destes sucessos não diminui em absolutamente nada, a beleza, a importância e a coerência deste Marco Zero ao Vivo na carreira de Elba.

É inegável que Elba – e aí é imprescindível destacar também a competência de sua equipe, comandada por Alexandre Valentim, fiel escudeiro de nossa musa há anos – conseguiu algo admirável: levou cerca de 200.000 pessoas ao Marco Zero para assistirem à uma mega produção, repleta de convidados ilustres. Gravou um DVD que – pelas poucas imagens que já vimos até agora e por relatos de muitos fãs que estiveram presentes em tal gravação – será antológico, com direito, inclusive, a tomadas aéreas. Mas nada disso teria valor algum se a cantora não estivesse cercada de um repertório realmente especial e de músicos fantásticos – nós fãs também temos que agradecer muito essa banda fantástica que acompanha Elba nesse trabalho, pela criatividade, talento, arranjos geniais...

Logo de cara, a audição do cd nos anuncia que um grande espetáculo sonoro está por vir. Já na primeira faixa, Elba mostra que está cantando cada vez melhor, com mais potência, mais afinação e que seu timbre fica mais bonito a cada trabalho. A primeira faixa de Marco Zero Ao Vivo é Anunciação, de Alceu Valença, que a artista interpreta há algum tempo em seus shows, mas nunca havia registrado. A cantora já entra em cena saudando àqueles que foram importantes em sua trajetória; Alceu, com certeza é um deles: logo que chegou ao Rio de Janeiro, em meados da década de 1970, depois de uma temporada não tão bem sucedida com o grupo Quinteto Violado, no espetáculo A Feira, Elba fez backing vocal em alguns dos primeiros álbuns de Alceu e estabeleceu uma parceria com o pernambucano que, ao longo de toda sua trajetória como intérprete, rendeu saborosos frutos ao público de ambos. Seria impossível o cantor não estar presente nesta festa dos 30 anos de música de Elba, se não pessoalmente - já que estava cantando na mesma noite em Olinda – ao menos com suas canções.

Outro desses parceiros que a Leoa conhece de longa data e que também é homenageado no cd é Zé Ramalho, primo distante que conhece o talento de Elba desde fazia uma espécie de “direção musical” de uma banda de rock da Paraíba, ainda na década de 60, chamada The Golden Girls, que tocava covers de Renato e Seus Blue Caps, Roberto Carlos e Beatles. Elba cantava e tocava bateria nesta banda e desde então mostrava toda sua veia artística; um diamante bruto a ser lapidado. Tempos depois, quando a artista já estava no Rio de Janeiro, trabalhando como atriz em diversos espetáculos teatrais e, paralelamente, tentando uma carreira de cantora, Zé a convidou para fazer backing vocal em seu disco Avohai – prestem atenção e perceberão o timbre de Elba nos vocais de canções como Vila do Sossego e Chão de Giz. A Leoa do Nordeste já era tão performática, tão carismática, que, durante os shows de lançamento do LP de Zé, acabou chamando a atenção de um executivo da então CBS, que a convidou para gravar seu primeiro disco. Trinta anos mais tarde, Elba, agora uma cantora de renome internacional, homenageia este parceiro de estrada interpretando diversas canções de sua autoria neste Marco Zero ao Vivo. A primeira delas é Banquete de Signos, música já gravada algumas vezes por Elba – a primeira delas em seu segundo disco Capim do Vale de 1980 - mas que ganha, neste novo trabalho, registro definitivo. A regravação soa forte, vigorosa, pungente, rascante. Em alguns momentos nos remete a um duelo de violeiros no sertão! Linda!!

Findado o Banquete de símbolos e misticismos de Zé, Elba faz sua primeira homenagem à outros desses parceiros que a acompanham há tanto tempo: Geraldo Azevedo, que a cantora conheceu no Rio de Janeiro em meados da década de 70; ela atriz do grupo Chegança, comandado por Luís Mendonça, e ele diretor musical do trabalho que a companhia estava preparando – A Chegada de Lampião ao Inferno. Com Geraldo, Elba já riu, chorou, dividiu apartamento – que sediava festas com a presença de convidados tão ilustres como Chico Buarque – e, principalmente, produziu páginas belíssimas na MPB. O cantor e compositor fez a direção musical de Ave de Prata e, para este primeiro trabalho da Leoa, compôs, especialmente Canta Coração que a dupla revive neste cd comemorativo, em uma interpretação marcante. A canção ganhou um novo arranjo, muito diferente do original e tão bonito quanto! Mais um show de talento da cantora, de sua banda e de seu amigo Geraldo Azevedo.

Já tendo conhecido e se tornado parceira de Alceu, Zé e Geraldo, Elba acabou se encontrando com aquele que, segundo ela mesma, foi um dos primeiros anjos de sua carreira, Chico Buarque de Hollanda. A parceria de ambos começou ainda em 1977 – embora Elba não conhecesse o compositor pessoalmente nesta época – quando a artista, ainda como atriz, integrou o elenco do filme Morte e Vida Severina de Zelito Vianna, no qual, além de atuar, cantava em quase toda a trilha sonora, criada por Buarque com base no poema de João Cabral de Mello Netto. É de Chico a próxima canção revivida por Elba, Morena de Angola, já registrada pela cantora no disco Felicidade Urgente, produzido por Nelson Motta e lançado em 1991. Este é outro dos belos momentos do cd; nas mãos da intérprete e de sua competente banda, a canção ganhou novo arranjo, com uma pegada de gafieira, mesclada com ritmos caribenhos e citação de um clássico do choro brasileiro. Dá vontade de parar e ficar ouvindo repetidas vezes esta faixa do álbum, de tão bacana que ficou.

Dando sequência as faixas do novo álbum, a cantora homenageia mais um grande compositor brasileiro que, assim como ela, veio do nordeste naqueles idos anos 70: Ednardo, que, em Marco Zero ao Vivo, comparece com aquela que, em minha opinião, é a canção mais bela do projeto: Pavão Mysteriozo. Não há uma vez que não ouço Elba cantar esta canção que não me emociono. Seja neste novo trabalho (em que ganha arranjo muito delicado, contrastando com a força do canto da intérprete) seja ao vivo, quando, vez por outra, a cantora nos brinda com essa canção, ou seja em seu primeiro registro da canção, no cd Baioque, de 1997. Aliás, Pavão Mysteriozo, a meu ver, também presta uma homenagem aos grandes shows que Elba apresentou mundo a fora nestes trinta e tantos anos de carreira. Em três deles tal composição de Ednardo estava no roteiro: em Leão do Norte, que arrebatou público e crítica, ganhando inclusive o prêmio mais importante na área (APCA) em 1996, em Baioque, um show maravilhoso, todo baseado no espetáculo O Grande Circo Místico de seu já citado ídolo e amigo Chico Buarque, levado aos palcos em 1997 e em o Grande Encontro, que estreou em 1996 e resultou no trabalho mais vendido em toda a carreira da cantora.

Voltando ao passado de nossa estrela, que neste novo cd se entrelaça tão bem com o presente,em 1978, Elba começou a se tornar, de fato, conhecida no meio artístico nacional por conta de sua arrebatadora performance no musical A Ópera do Malandro, escrito por Chico Buarque – novamente ele. Em tal espetáculo, a então atriz dava vida a Lúcia, uma das amantes de Max, interpretado por Otávio Augusto, que havia acabado de se casar com Terezinha, vivida por Marieta Severo. Após uma grande discussão, as duas mulheres do contraventor cantavam O Meu Amor, canção que projetou Elba Brasil a fora, por meio da trilha sonora do musical e do LP Samambaia que Chico lançou em 1979, no qual ela e Marieta repetiram o dueto vivido outrora nos palcos. O LP vendeu tanto que com o dinheiro que ganhou por sua participação, Elba comprou o seu primeiro carro – que, é claro, ela apelidou de O Meu Amor. Com certeza, dentre todas as canções importantes na trajetória da Leoa do Nordeste, esta é uma daquelas que não poderia, de forma alguma, ficar de fora de Marco Zero ao Vivo. E aqui ganha ainda a presença do vozeirão de Alcione, que divide a cena com Elba em mais um belíssimo número do cd. O arranjo, neste caso, lembra muito o original da trilha sonora do musical, com solos de sax, pitadas de bolero e clima de cabaré. Cama sonora perfeita para a voz, emoção e talento dramático de nossa musa.

Dos grandes sucessos da carreira de Elba, o maior deles também está presente no novo trabalho: De Volta pro Aconchego, de Dominguinhos e Nando Cordel, que a cantora gravou – sabiamente em ritmo de canção, ao invés de forró como havia sugerido Dominguinhos – no álbum Fogo na Mistura, lançado em 1985 e que, após se tornar tema da novela Roque Santeiro, ganhou as rádios de todo o país. Uma canção que marcou época e é presença garantida em todos os shows da cantora e que, neste trabalho comemorativo, é cantada em coro por todo o imenso público de Recife.

Após este grande sucesso, a cantora recebe mais um parceiro: Lenine, compositor de talento extraordinário e que foi lançado ao grande público por meio de seus álbuns, que sempre trouxeram algumas de suas mais belas composições. Se ao longo de todos esses anos de carreira, Elba já registrou tantas criações do pernambucano, neste novo trabalho, por sugestão do próprio, optou por inovar: chamou o amigo para, juntos, reviverem Queixa, grande sucesso de Caetano Veloso, outro compositor bastante presente na vida pessoal e artística de Elba. Foi Caetano quem a apelidou, por meio de um autógrafo que lhe deu certa vez, de Flor da Paraíba, título que lhe cai como uma luva e que foi usado para batizar seu cd de 1998, totalmente dedicado ao cancioneiro nordestino. Queixa é, com certeza, a maior novidade do cd e um dos momentos mais belos do trabalho. Nesta canção Elba mostra toda sua força e extensão vocal, indo de belíssimos graves a agudos brilhantes, de forma tão natural que, ouvindo, ficamos com a impressão de que Elba, ao nascer, a primeira coisa que fez foi cantar. É impossível não ficar tocado com o final pungente que os artistas dão à esta música, com os dois artistas declamando letras diferentes de Caetano (Elba declama O Quereres que ela, apesar de nunca ter gravado, foi uma das primeiras a interpretar em seu show no primeiro Rock in Rio e Lenine declama Lua de São Jorge). Poesia pura!

Outra canção nunca gravada pela artista, mas que marcou diversos momentos de sua carreira e que, finalmente ganha seu registro neste Marco Zero ao Vivo é Admirável Gado Novo, que canta em dueto com Zé Ramalho. Entra ano e sai ano e esta genial composição de Zé (que Elba já havia interpretado de forma brilhante durante a turnê Leão do Norte e no show antológico que dividiu com o primo, parceiro e amigo no último Rock in Rio realizado no país, em 2001) continua atual e tocante. Mais um momento emocionante para nós, fãs da boa música brasileira; a canção ganha ainda mais força na voz de Elba. Belíssimo momento do novo trabalho.

Após o dueto com Zé, quem retorna ao palco é Geraldo Azevedo. Juntos, ele e Elba interpretam Chorando e Cantando, uma das melhores composições de Azevedo com Fausto Nilo, gravada pela cantora, pela primeira vez, em 1986 no álbum Remexer. Aliás, quem gravaria esta música naquele ano seria Geraldo, mas Elba insistiu tanto com o amigo que ele acabou cedendo e deixou a canção para ela. Aqui em Marco Zero ao Vivo aparece com arranjo totalmente renovado, com alterações de andamento e pitadas explícitas de tango, que valorizam ainda mais o tom dramático da canção e a força da cantriz Elba Ramalho.

No novo trabalho há ainda espaço para uma canção de seu mais recente álbum de músicas inéditas, Balaio de Amor, lançado em 2009 e vencedor do Grammy Latino de Melhor Álbum de Raízes Brasileiras. A faixa escolhida é a bela É Só Você Querer, de Nando Cordel, na qual Elba divide os vocais com Cezinha, acordeonista de sua banda no show do Marco Zero e produtor do Balaio.

Depois deste momento mais sereno, Zé volta ao palco para reviver com a anfitriã uma de suas composições que se tornou um dos maiores sucessos da parceira: Chão de Giz, que a cantora gravou, pela primeira vez, em 1996 no cd Leão do Norte e imediatamente ganhou as rádios de todo o país e se tornou uma das músicas mais esperadas pelos fãs nos shows da cantora. Este dueto de Elba e Zé nesta canção era um dos momentos mais aplaudidos do espetáculo O Grande Encontro que rodou o Brasil a partir de 96. Em Marco Zero ao Vivo é revivido com algumas novidades no arranjo. Momento de grande emoção para a intérprete, platéia que estava presente na gravação do cd/dvd e ouvintes do trabalho.

Para encerrar esta grande festa em comemoração as suas três décadas de carreira, Elba escolhe dois frevos: o primeiro deles, Chuva de Sombrinhas, de Nena Queiroga e André Rio é uma composição atual, homenageando Pernambuco e seu carnaval muiticultural, com referências à alguns dos maiores e mais importantes artistas daquele Estado. Já o segundo, é outro hit de Zé Ramalho, que há muito tempo encerra os shows de Elba: Frevo Mulher. A festa de Elba, em Pernambuco, só podia mesmo terminar em frevo! Fechamento com chave de ouro para um grande trabalho, de uma grande intérprete brasileira!

Como vocês devem ter percebido, os grandes sucessos radiofônicos da Flor da Paraíba podem não estar presente neste trabalho, mas não há nele uma canção que não tenha uma razão, uma história para estar ali. Marco Zero ao Vivo, além de ser belíssimo, é um show de coerência e de reverência a uma história brilhante e muito especial daquela que, para mim, é a maior cantora, a maior artista de todos os tempos! Estamos aguardando, ansiosamente, o lançamento, o mais breve possível, do DVD. É isso!

Texto de Gabriel Lima

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