sábado, 14 de maio de 2011

Cirandeira 10 Anos

O forró místico de Elba Ramalho

Cantora lança novo CD, no qual resgata pérola de Vicente Celestino.

Elba Ramalho bem que já co-produziu alguns discos seus, como Encanto e Solar, mas desta vez assina sozinha a produção de Cirandeira , que acaba de lançar (leia crítica), ainda que com a ajuda do competente arranjador Marcos Farias — filho de dois ícones imortais da canção nordestina: a cantora Marinês e o sanfoneiro e compositor Abdias. "Há anos ensaio essa possibilidade de ter autonomia total em meus discos, mas às vezes ficava um pouco acomodada. Adoro todos os produtores com quem trabalhei. Eles buscam sonoridades, sempre vêm com novidades. Desta vez, decidi produzir — eu mesma — com a ajuda do Marcos, um maestro sensível e sanfoneiro de primeiro time. Ele foi meu cúmplice. O trabalho acabou feito a quatro mãos. Com isso, posso decidir sobre os arranjos, quando quero dobrar a voz na gravação, detalhes da mixagem, enfim, quando se produz você tem que decidir tudo", diz.

O resultado de tamanho empenho foi um disco de 14 faixas, a maioria inédita. Tanto de compositores tradicionais em seu repertório como Geraldo Azevedo, Lenine (que assinou a ciranda-título do CD), Nando Cordel ou Chico César, como do jovem Targino Gondim, que estourou na voz de Gilberto Gil com Esperando na Janela . "Ele me deu uns discos dele e grifou o Pra Se Aninhar. Me falou: 'Minha mãe sonha ver você cantando essa música. Acho que é a sua cara’. Por isso, gravei", justifica. Mas o grande destaque do CD é a antiqüíssima Patativa, de autoria do cantor Vicente Celestino, que — por sugestão de Marcos Farias — gravou em ritmo de xote. "É minha faixa preferida. Mesmo morrendo de amores por Cirandeira, do Lenine, quando ela entra, logo em seguida no disco, a emoção que vem pela minha memória, de ouvi-la na infância, em casa, é muito forte. Fazê-la em xote foi mesmo um achado", admite.

Pescadora de pérolas

Na verdade, Patativa a remete ao gosto de seu pai, que era músico de orquestra, tocando clarinete, saxofone, tuba e violão numa orquestra de sua cidade, na Paraíba. "Ele está com 82 anos e continua ativo, é um grande ouvinte de música", conta ela, lembrando-se que o pai não entendeu nada quando ela decidiu na adolescência atuar numa banda de rock. "Ele dizia que o que eu fazia não era música", diverte-se ela, que tem ainda um irmão médico que é "um tenor fantástico" e sempre cantou canções do repertório de Vicente Celestino e Augusto Calheiros, como... Patativa.

"Como intérprete, me sinto obrigada a resgatar essas pérolas da MPB. Outra que resgatei foi o Forró de Surubim, que o Jackson do Pandeiro gravou há 40 anos. É uma música masculina, difícil de cantar, mas ficou legal", explica Elba, que ficou próxima ao rei do coco no começo dos anos 80, quando ele compôs No Som da Sanfona especialmente para ela gravar no LP Alegria , em 1982. "Tanto com Gonzaga quanto com Jackson tive uma ótima relação. O Gonzaga me tinha como filha. Quando as críticas falavam mal de mim ele ficava pra morrer. Chegou até a escrever uma música respondendo aos críticos mas eu não quis gravar. E o Jackson me ensinou muito".

Um traço curioso em seu novo CD é que Elba está cantando limpo, falando pouco entre as músicas, com poucas brincadeiras. "Acho que foi pelo meu estado de espírito quando estava gravando. No palco, posso exprimir mais força e agressividade. Creio que essas músicas vão ganhar um novo impulso. Já o disco é bem acústico e tem um ar romântico. O repertório é de bom gosto e acho que é menos para dançar e mais para se ouvir", detalha. "Se eu gravasse esse repertório depois da turnê de lançamento, as músicas ficariam diferentes. O disco Solar tem uma tônica mais forte, para cima, e vários críticos torceram o nariz para isso. Já nesse alguns disseram que estou leve demais. É impossível agradar a todos, mas talvez num próximo trabalho chegue a um equilíbrio maior ainda", analisa.

Crítica

No mar de mesmice em que se encontra a nossa indústria do disco, Elba Ramalho nos brinda com um CD - Cirandeira - apenas de inéditas, no qual predominam arranjos delicados, na maioria assinados por Marcos Farias, filho dos cobras da música nordestina Marinês e Abdias. Nem todas as faixas grudam no ouvido à primeira audição, mas o disco é competente. Ele abre com a faixa-título, uma simpática ciranda de Lenine, sendo apenas dispensável a citação final dos surrados versos "Cirandeiro/ Cirandeiro ó/ A pedra do teu anel brilha mais do que o sol", já resgatados à exaustão por todos que resolvem gravar cirandas. Outros dos melhores momentos são os xotes Onde Anda Você (Chico Pessoa e Zé do Norte), com inventivo arranjo conjugando sax e sanfona, e Pra se Aninhar (de Targino Gondim, autor do megahit de Gilberto Gil Esperando na Janela), os forrozões Querendo Mais (Nando Cordel) e Pra Virar Xodó (João Gonçalves/ Fuba de Itaperoá) e o "coco de embolada" Sem Ganzá Não É Coco (Chico César), bem na linha de Jackson do Pandeiro.

As únicas regravações do CD soam como inéditas também. Trata-se da releitura de Patativa (Vicente Celestino) em ritmo de xote - uma sacada sensacional - e da pouco regravada Forró de Surubim (Antonio Barros), lançada pelo onipresente Jackson do Pandeiro. Cirandeira é um disco de detalhes. Não há como resistir, por exemplo, à guitarra country de Luiz Neto em Lua Vadia (J. Michiles) que dá um toque todo especial à faixa. As duas únicas músicas que não empolgam muito são Entre o Céu e o Mar (Roger Henri/ Dudu Falcão), que não por acaso já é tema de novela e anda tocando em algumas rádios, e a de enceramento, Estrela Soberana (da própria Elba, com Geraldo Azevedo), na qual ela dá uma de Roberto Carlos e homenageia Nossa Senhora. Não é ruim, mas não tem nada a ver com o resto do disco, que merecia um fecho melhor. Pela primeira vez assinando a produção de seu disco, Elba exibe talento para a empreitada. É muito bem feito. Como intérprete, Elba está bem. Só falta se soltar mais nos improvisos entre os versos (procedimento típico dos nordestinos) para dar um quê a mais nas músicas mais suingadas, algo que ela só faz em Pra Se Aninhar.

FAIXAS:
1 Cirandeira
(Lenine)
2 Patativa
(Vicente Celestino)
3 Se eu tivesse asa
(Geraldo Amaral, Geraldo Azevedo)
4 Alma nua
(Zeca Baleiro)
5 Onde anda você
(Zé do Norte, Chico Pessoa)
6 Querendo mais
(Nando Cordel)
7 Sem ganzá não é coco
(Chico César)
8 Pra virar xodó
(João Gonçalves, Fuba de Taperoá)
9 Pra se aninhar
(Targino Gondim)
10 Entre o céu e o mar
(Roger Henry, Dudu Falcão)
11 Forró de Surubim
(Antonio Barros)
12 Lua vadia
(J. Michiles)
13 O amor é lindo
(Tony Gadelha, Glorinha Gadelha, Afonso Gadelha)
14 Estrela soberana
(Elba Ramalho, Geraldo Azevedo)


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Créditos: Rodrigo Fauor

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