domingo, 4 de março de 2012

Cordel sinfônico

Está de volta à cidade o musical Estória de João Joana, de Carlos Drummond de Andrade e Sérgio Ricardo

João Gurgel, Marina Lufti, Elba Ramalho, Alceu Valença, Sérgio Ricardo e Geraldo Azevedo: reencontro

Um estúdio encravado no bairro do Cosme Velho, aos pés do Cristo Redentor, foi escolhido para ser o cenário de um grande encontro entre ídolos da música brasileira. Um time do quilate de Alceu Valença, Geraldo Azevedo e Elba Ramalho, além de alguns dos mais celebrados instrumentistas do país, se reuniu para ensaiar um espetáculo já conhecido de todos. Na próxima terça-feira, eles reestreiam, em Brasília, o cordel sinfônico Estória de João Joana, o único texto do gênero escrito pelo poeta Carlos Drummond de Andrade, e musicado pelo multiartista Sérgio Ricardo.

Em 1985 e em 2001, o mesmo espetáculo foi encenado na Sala Villa Lobos, e volta à cidade no mesmo palco. Mais um detalhe: todo o elenco envolvido participou de alguma das montagens anteriores do musical. Nesta nova turnê, os filhos de Sérgio Ricardo, Marina Lufti e João Gurgel, que o acompanham em shows há mais de uma década, também fazem parte do elenco.

“Modéstia à parte, esse musical é um dos melhores trabalhos que já fiz. É um curinga para grandes momentos, quando surge uma pauta no Teatro Municipal, ou algo do gênero”, explica Sérgio Ricardo, homenageado nesta rodada de apresentações, por seus 80 anos. O trabalhou surgiu da admiração mútua entre ele e Drummond. Cantor, compositor, um dos precursores da Bossa Nova e autor de trilhas sonoras inesquecíveis do cinema nacional (entre elas Deus e o diabo na terra do sol e Terra em transe, de Glauber Rocha), ele assinou, na década de 1980, a trilha sonora do desenho animado Flicts, de Ziraldo. Drummond ouviu o trabalho, aprovou e dedicou uma crônica à composição. Daí surgiu a amizade, que acabou virando parceria. Num belo dia, Sérgio recebeu do mineiro o texto, com o pedido de que o musicasse. O resto é história.

Gripado, com dor de garganta e sem dormir, Alceu Valença (que já emprestou as cordas vocais a mais de uma apresentação da Estória de João Joana) usou a voz com moderação. Acompanhou as marcações, tirou dúvidas com o amigo Geraldo (a quem chama carinhosamente de Geraldinho) e fez graça o tempo todo. Emendou histórias hilárias, como a de um antigo episódio ocorrido com seu cabelo, “causos” pernambucanos e experiências de shows antigos. “É incrível trabalhar com o Sérgio, com poemas do Drummond, sob a orquestração original de Radamés Gnatalli. Também é muito bom, sobretudo, reencontrar amigos e antigos companheiros de banda. Esse revival vai ser sensacional”, acredita Alceu.

Raridade
Geraldinho, por sua vez, entoou com vontade todos os trechos do poema e demonstrava não ter perdido a familiaridade com a obra. O cantor nunca subiu ao palco para interpretar a saga nordestina, mas gravou em disco, ao lado de nomes como Chico Buarque e João Bosco, as palavras de Drummond na melodia de Sérgio Ricardo. Disco esse que é considerado raridade, circula como objeto de desejo entre colecionadores. “Sérgio é um mestre, que está lançando a nós esse desafio de tocar com a orquestra. Esse projeto é uma lisonja para a minha carreira”, orgulha-se.

Em Brasília, os músicos terão o acompanhamento da Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional, tal qual nas apresentações anteriores. Se na noite da premiére, há quase 26 anos, o regente da noite foi Claudio Santoro, nesta montagem, a batuta ficará a cargo do maestro Cláudio Cohen, que já integrava o naipe de violinos da orquestra. Durante o ensaio, no Rio, ele acompanhou os acertos entre a banda e os cantores, anotou as entradas e adequou à partitura, para trazer as informações completas à sua sinfônica, que estará quase completa no palco, com pouco menos de 70 integrantes. Antes da estreia, a orquestra e a ala “carioca” terão três ensaios para afinar a sonoridade.

“Este projeto é importante para resgatar a obra, valorizar a literatura, os artistas e ainda homenagear a mulher”, destaca Cohen. Afinal, quando se adicionam, ao seu conjunto de músicos, pitadas de Drummond, Sérgio Ricardo, Alceu, Elba, Geraldinho e outros mestres da música nacional, a poção que resulta só pode ser mesmo mágica.

Banda
No palco, os artistas serão acompanhados pelo violonista Lui Coimbra, pelo pianista Marcelo Caldi, pelo baixo de Bororó, pelo baterista Jurim Moreira e pelo percussionista Nailson Simões. Todos integrantes da banda original.

Sertão
A história , baseada em fatos reais, chegou a ser publicada nos jornais da época. Em um lugarejo pobre e remoto, uma mulher tem uma filha, mas decide criá-la como homem, para que ela sofra menos em um ambiente machista e inóspito. O menino, batizado de João, cresce com hábitos masculinos, mas um dia, acaba parindo uma criança.

Estória de João Joana
Cordel sinfônico de Carlos Drummond de Andrade e Sérgio Ricardo, de terça (6 de março) a quinta, às 20h, na Sala Villa Lobos do Teatro Nacional (Via N2 - Setor Cultural Norte - 3325-6239). Ingressos gratuitos, retirados a partir de 12h, na bilheteria do teatro. Classificação indicativa livre.

Fonte: Correio Braziliense

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