quarta-feira, 23 de julho de 2008

Túnel do tempo 1999: "As vozes de 1979"


Joanna, Elba Ramalho e Ro Ro comemoram os 20 anos da maior safra de cantoras da história da MPB

Elas vivem cercadas de fãs ou por seus músicos. Mas ali era diferente. Por todo lado só luzes, rebatedores e flashes. Num estúdio fotográfico em Botafogo, Zona Sul do Rio de Janeiro, três amigas de longa data se encontram: Elba Ramalho, Joanna e Ângela Ro Ro. Elba, um misto de explosão e misticismo; Joanna, a mais tranqüila, doce; e Ro Ro, aquele furacão de idéias e ansiedade. Em comum, uma data: as três estão comemorando 20 anos de carreira. Elba e Joanna lançando CDs ao vivo e Ro Ro com um show em que relembra seus sucessos. Num antigo álbum com recortes, levado por Joanna, todas olham surpresas uma foto daquele distante 1979. "Eu era uma gata, podia até usar collant", diz Ro Ro. "Foi nesse dia que conheci a Zizi Possi", conta. "Ela ainda era uma menina ingênua", brinca Elba. "E quem é essa aqui?", pergunta Ro Ro. "É a Fafy Siqueira", lembra Joanna. Ro Ro não pára, está impossível: "Nessa época apareceu tudo que é tipo de cantora, até aquela moça simpática que era cega. Como era mesmo o nome dela?"

Era Kátia, outra das muitas mulheres que gravaram seus primeiros discos naquele ano. De Dalva de Oliveira a Cássia Eller, o chamado sexo frágil sempre foi um ponto forte na música brasileira. Mas, ao menos em quantidade, nada se compara a 1979, ano especialmente afinado para vozes femininas. Foi quando um batalhão de cantoras invadiu a MPB e alterou a história dos intérpretes brasileiros - até então liderada por homens. Também surgiram naquela época Marina, Zizi Possi, Joyce, Amelinha, Fátima Guedes e Olívia Byington. Como as cantoras do rádio, a história da MPB merece outro capítulo: as cantoras de 1979.

Mas por que tantas mulheres ao mesmo tempo? "Existia uma carência de cantoras na época. A MPB estava dominada por homens compositores", diz Olívia Byington, 40 anos, que se lançou em 1979 com um disco de rock progressivo. "No ano seguinte, seria comemorado o Ano Internacional da Mulher e as gravadoras estavam de olho nisso", diz Ro Ro, 49. De fato, logo depois da gravação dos discos de estréia dessas artistas, o programa Mulher 80, da Rede Globo, consagrou de vez essa safra fértil de cantoras.

"Mesmo antes de gravarmos já nos conhecíamos da noite carioca", diz Joanna. Os esbarrões na madrugada podiam acabar em canjas curiosas. Joanna e Ro Ro riem ao lembrar um desses encontros: "Ficamos tocando até 5 da manhã no Number One. Eu no baixo, Ro Ro no piano e Maria Alcina na bateria", conta Joanna. "Foi qualquer nota", comenta Ro Ro, que aproveitou o encontro para contar às amigas que acaba de superar uma crise de depressão provocada pela morte da mãe, há dois meses. "Chuta a tristeza para longe", aconselha Elba, toda de branco.

"É a música que me alegra e me tira de casa", diz Ro Ro, orgulhosa com seus 20 anos de estrada. "O trabalho levanta qualquer um", afirma Elba. A paraibana está mais em pé do que nunca e seu CD de 20 anos de carreira deve chegar às lojas em setembro, acompanhado de um livro, de edição limitada, com textos de João Cabral de Melo Neto e Chico Buarque. Um luxo. Nem sempre foi assim. Elba recebeu muitas críticas no início da carreira, quando falavam mal de sua voz estridente. Deu a volta por cima e passou a campeã de vendas. "Me descobri quando me aceitei como nordestina", diz. Ela acaba de abrir um selo próprio, o Ramax, e prepara o relançamento da baiana Margareth Menezes.

Daquele final dos anos 70 suas principais lembranças são das noitadas no Baixo Leblon com a amiga Marina ou mesmo Ro Ro. "Eu era atriz e a gente se conhecia da praia, do Posto 9 de Ipanema", diz Elba. Ro Ro surpreende mais uma vez ao contar sobre a primeira dessas cantoras que despertou sua admiração. "Eu ainda era uma menina no Colégio São Paulo, em Ipanema, tinha uns 10 anos, e meu ídolo era a Joyce, ainda uma garota, um pouco mais velha, mas já com tiara na cabeça e um violão todo colorido. Ela era linda", se diverte.

Joanna tem curtido a data. "Devemos muito de nossas carreiras aos compositores. Eu, por exemplo, recebi 'Nos Bailes da Vida' de Milton Nascimento", diz a cantora, 49 anos, que acaba de lançar seu CD duplo ao vivo. Joanna consagrou-se com as baladas românticas, mas agora quer mostrar outro lado artístico. "Tenho muita relação com o samba. É meu lado carioca", diz a cantora, nascida no Méier, Zona Norte do Rio. Sobre a geração 79, elogia o mercado da época: "As gravadoras davam mais espaço para o surgimento de carreiras. Hoje a cobrança de vendagem imediata é maior". A irreverente Ro Ro não perde a deixa: "Hoje não é mercado fonográfico, mas sim mercado pornográfico".


Cláudio Henrique

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