sexta-feira, 24 de abril de 2009

O assunto que mais me interessa

Seis de julho de 1980, noite fria e um pequeno público amontoado nas grades de fronte ao palco do Ginásio da Esportiva.
A desconhecida cantora Elba Ramalho divulgava seu primeiro disco - lançado em 1979 e intitulado Ave de Prata - aos jundiaienses. Havia os que não sabiam ao certo quem era a tal cantora, outros achavam que estavam indo ao show da Amelinha, intérprete que também despontava no início daquela década. E uma minoria, talvez, na qual eu me encaixava, tinha na ponta da língua a letra de todas as músicas e no coração o inconformismo da confusão entre uma e outra, afinal... eram muito diferentes! Inconformismo de fã!
Bastou adentrar ao palco e fazer trinar seu timbre marcante e pouco comum à época, para que corpos e corações se aquecessem num passe de dança. Tudo era novidade: a presença de palco, a interpretação com forte apelo cênico, a rascância da voz, a mensagem contida na maneira de dizer versos misturados a letras, somando-se ao impacto do traje, e a apresentação de repertório genuinamente nordestino. Um cenário inusitado para um público paulista-conservador.
O início de sua carreira não foi nada tranqüilo. Inúmeras críticas partiam, desde ilustres desconhecidos, até os ditos abalizados no assunto. E todos se equiparavam no tocante a uma questão: não compreendiam a essência do trabalho de Elba, seu objetivo principal; não ouviam o que de relevante ecoava junto àquela voz ávida por trazer novas mensagens. Gralha gritante, Tina Turner do sertão, Rita Lee da Caatinga, Madonna do agreste e inúmeros outros apelidos recheavam as colunas de revistas e jornais que comentavam seu trabalho.
Seus companheiros contribuíram para o movimento que despontava no cenário musical brasileiro no início dos anos 80, mas foi Elba a responsável pela quebra de paradigmas, abalando conceitos e pré-conceitos, mesmo estando numa situação quase nada favorável: mulher, nordestina e oriunda de Conceição do Vale do Piancó, cidade com vinte mil habitantes, no estado da Paraíba.
Abriu caminhos para uma nova maneira de cantar e interpretar, o que foi seguido por tantas outras posteriormente.
Com sua garra, humildade e perseverança, Elba conseguiu convencer, definitivamente, a crítica, em 1983, com o lançamento de Coração Brasileiro, um dos marcos de sua carreira. Capa da Veja, recorde de público e de temporada, tanto no Rio como em São Paulo, não havia como não reconhecer que seu trabalho, muito mais do que uma novidade, trazia sinceridade, conteúdo e coerência. Além de talentosa, Elba é uma artista inteligente e procurou sempre ser fiel às propostas enraizadas à sua Terra Natal, mesmo trabalhando para multinacionais.
Com este show, voltou a Jundiaí. No mesmo palco, porém com uma produção mais recheada.
Esteve aqui, ainda, em outras oportunidades, e por várias vezes pude conferir suas apresentações e entrevistas, ao longo de seus quase trinta anos de carreira. No entanto, vendo-a no último dia três de maio, no Teatro Polytheama, divulgando seu mais recente trabalho, Qual o assunto que mais lhe interessa?, pude constatar que sua essência não mudou, o que dificilmente ocorre com a maioria dos artistas. Mesmo tendo de se ajustar à demanda do mercado voraz, parece continuar não fazendo concessões, principalmente porque é ela, atualmente, quem determina que rumo vai tomar a carreira, já que dispensou os patrões.
Foi muito bom revê-la e relembrar que em 1979 eu iniciava minha empreitada pela complexa Música Popular Brasileira e qualquer má influência poderia ser fatal. E Elba foi minha maior influência. Posso afirmar que com ela vieram outras oportunidades: conhecer profundamente a obra de Chico Buarque; interessar-me por teatro; ler grandes poetas como João Cabral de Melo Neto e Manuel Bandeira; valorizar a arte popular brasileira; entender a diversidade dos ritmos oriundos do nordeste, tais como baião, xote, maracatu, xaxado, frevo; ter acesso a grandes compositores (velhos e novos) e suas maravilhosas poesias e cantigas; adquirir o gosto por cantar; respeitar o diverso; e entender que em músicas de ritmo alegre, também, algumas vezes, pode haver conteúdo.
Penso que minha geração foi privilegiada, pois por mais que tentemos buscar qualidade e conteúdo no que se vende hoje, por aí, quase nada sobra na peneira. Com isto, as novíssimas gerações não têm idéia do que seja ritmo... será que já ouviram falar em ciranda?; não são seletivos ou criteriosos, porque o censo crítico foi engolido pelo consumismo. A música, o conhecimento, a arte, a cultura, tudo parece ter se transformado em cifrão. Resta o saudosismo.

Créditos: Renata Iacovino, cantora, escritora e poetisa
Gabriel Lima para o Leoa do Nordeste

2 comentários:

vani disse...

Oi Gabriel que bom que vc está aqui no blog também, lindo texto. beijos

Jorge amo o blog tá lindooo beijos

Anônimo disse...

Esse blog ta cada dia mais lindo!
Parabéns.