quarta-feira, 29 de abril de 2009

Seria uma força da natureza?

No princípio era a nordestinidade inflamada. Canto de agudezas incabíveis. Diferente. Expressivo. Marcante. Pelas fendas dela escorriam alegria. E tome xote, xaxado, baião, forró, pandeirada, zabumbada, cintura de pilão, cabeleira volumosa, sotaque forte, muitas cores – magenta.

Tempo tanto, tantos palcos, veios d´água, a fartura e o fato: Elba Ramalho está comemorando 30 anos de carreira. Óia a paia do coqueiro quando o vento dá! Sanfoninha choradeira, chora, chora.

Assim escreveu ela no site: “Não que trinta anos sejam suficientes para contar toda a minha história nos palcos e na vida. Não! Precisariam acrescentar outros tantos e um bocado de açúcar e sal como tempero e ainda alguns espaços ficaram vazios e ocultos (ou seria ocultados!?)”.

O texto faz referência ao disco “Balaio de amor”, com o qual intérprete paraibana assinala as três décadas de trajetória. O lançamento oficial acontece nesta segunda (dia 27.04.09). Sai em parceria com a gravadora Biscoito Fino.

Em vez de retrospectiva – expediente esgotado em “Solar” (1999), aos 20 anos de música -, Elba voltou novamente os olhos para o nordeste e buscou compositores pós-Luiz Gonzaga.

Muito xote, xaxado e até choro vindos de compositores recorrentes em seu repertório (Dominguinhos, Nando Cordel, Antonio barros, Cecéu) e outros por ganharem visibilidade melhor (Xico Bezerra, Fábio Simões, Petrúcio Amorim e Cezinha do acordem, co-produtor). Catorze canções praticamente inéditas no sul. Diz ser um disco de amor, cheio de recados para quem gosta de dançar. Então, tá!

Elba, aliás, nunca se distanciou do solo quente embora em seus discos releia ritmos e gêneros nordestinos com solavancos contemporâneos. Ao trinômonio zabumba-triângulo-sanfona ela acrescenta elementos ao seu entorno sem, no entanto, render-se aos desaforos do mainstream.

As referências continuam intactas. Em seu canto e modo de entender música incidem verticalmente Marinês e sua gente, Luiz Gonzaga – claro – e Jackson do Pandeiro.

Não há mais o canto rasgado; vibratos não mais crepitam. A voz de Elba ganhou sustança e conforto. “Aprendi a explorar outras regiões vocais, o grave e o médio. A ansiedade da iniciante, que arriscava tudo, deu lugar para uma artista mais serena e dona da arte do seu ofício”, afirma no material de divulgação.

A cantriz que encantou Buarque -
Paraibana de Conceição do Piancó e modelada em Campina Grande, Elba Maria Nunes Ramalho subiu pela primeira vez num palco aos 14 anos. Declamou “Evocação do Recife”, de Manoel Bandeira. Até tentou concluir Economia e Sociologia. Deixou pra lá.

Em 1974, foi convidada para ser crooner na temporada carioca do Quinteto Violado. Terminada a missão, não quis voltar para casa. No Rio de Janeiro – tempos difíceis, várias vezes frisou em entrevistas -, pisou os palcos crus dos teatros muitas e muitas

vezes. A arte como essência e sobrevivência. Os deuses abençoam quem se doa em gestos e falas e luzes e coxias.

Os caminhos se abriram, a partir de “Ópera do Malandro”, de Chico Buarque, onde interpretava a prostituta Lúcia. A montagem transformou-se em filme e lá estava ela, a Elba.

Buarque encantou-se com as faíscas cênicas da atriz e a convidou para duetar com Marieta Severo em “O meu amor”, no álbum do cantor e compositor de olhos de ardósia cantor e compositor lançou em 78 – aquele da capa com samambaias ao fundo, como bem se refere um amigo meu.

A “cantriz” surgiu no ano seguinte com o antológico “Ave de prata”, disco de estreia, que tomou a todos de surpresa pela contundência interpretativa: “Canta coração” (Geraldo Azevedo), “Não sonho mais” (Buarque), “Kukukaya” (Cátia de França; queria tanto saber por onde anda essa excepcional compositora) e a faixa-título de Zé Ramalho tocaram muito nas rádios. Alguém consegue cantarolar um trecho, ao menos?

Elba faz parte da mesma safra de onde saíram Fátima Guedes, Ângela Ro, Marina (atualmente Lima) e Joanna (o primeiro disco é um clássico; depois ela cismou de ser popular e perdeu a mão).

Juntas vieram num momento em que as gravadoras apostavam em nomes femininos, a exemplo de Zizi Possi, Olívia Byington, Zezé Motta (outra cantriz maravilhosa), Amelinha e Joyce (embora tivesse trabalhos anteriores, a cantora e compositora consagrou-se com essa leva). As cantoras do final da década de 70 vieram com tudo.

A tal da Elba Ramalho –
A discografia de Elba Ramalho é composta por 26 discos solos, além de três álbuns gerados de “O grande encontro”, projeto que contou com Alceu Valença (apenas no primeiro, em 1996), Geraldo Azevedo, Zé Ramalho e Elba nos outros dois álbuns, de 1997 e 2002.

A partir de “Alegria” (1982), Elba arrebatou o Brasil com “Amor com café” e “Bate coração”. No ano seguinte, “Coração Brasileiro” caiu no gosto de todos. E todos tomaram “Banho de cheiro”. Elba transformou-se numa grande vendedora de discos e, por conseqüência, incendiava plateias nos quatro costados – exterior também.

Aos poucos, Elba Ramalho foi experimentando baladas românticas (impulsionadas pelas novelas), contornos cubanos (“Devora-me”, 1993), breves recursos eletrônicos (“Baioque”, 1997, com direito a oração do “Pai Nosso” na faixa “S.O.S”, de Raul Seixas), pop comedido (“Felicidade urgente”, 1991) até se reencontrar num dos mais clássicos discos da MPB: “Leão do Norte” (1996). Foi ela quem gravou primeiramente Lenine, autor da canção-título.

Convenhamos: a cantora, algumas vezes, deu volta em círculos com projetos incolores. É o caso de “Paisagem” (1995). Mais: demorou em reler Luiz Gonzaga no austero “Elba canta Luiz” (2002). Ah, sim: lá pelas tantas juntou-se a Dominguinhos no pouco ousado “Baião de dois” (2005).

No time dos independentes, Elba reviu conceitos e lançou, em 2007, “Qual o assunto que mais lhe interessa?”. Com temas que abordam questionamentos universais, violência, solidão, amor e até direitos humanos – encobertos com rap, samples, pop rock -, Elba realizou um de seus melhores projetos. Gerou um DVD, “Raízes e antenas”, gravado ao vivo no auditório do Ibirapuera, em São Paulo.

No registro audiovisual, há um documentário em que a intérprete reconta na primeira pessoa um pouco suas origens. Encontra-se com o pai, João Nunes, dono do cinema e seresteiro que não esconde o orgulho da filha: “Hoje a vejo aqui, minha filha, cantora brilhante. Estou satisfeitíssimo”, diz. Elba a casa em Trancoso (BA) e o coração. “Sou uma pessoa simples, de origem simples. Essa memória do simples tem cheiro de pureza e disso nunca pude me desligar e nem me afastar”, declara.

Lula Queiroga, produtor e amigo de longa data, define bem a trajetória da artista paraibana. “Acho que o grande êxito se deve muito ao brilhantismo e à excelência dessa mulher danada, a tal da Elba Ramalho”.

Pergunto: Seria Elba uma força da natureza? Os mistérios que se clarifiquem!

Créditos: Gazeta do Povo/ Por: Antônio Mariano Júnior

Um comentário:

Gabriel Lima disse...

Que lindo esse texto Jorge!